Dona Alice, 75 anos atrás do balcão - e sem tirar férias...
Esperar um ano para entrar em férias já não é fácil. Agora
imagine passar 75 anos trabalhando atrás de um
balcão sem nunca tirar um mês para descansar. Dona Alice
Dumsch, 82 anos, fez isso. E continua firme e forte ali no número 830 da Manoel
Ribas, tocando sozinha a mercearia mais antiga da região, atendendo a sua fiel
clientela, alguns, fregueses há mais de meio século. Dali presenciou as grandes
transformações que as Mercês sofreram nos últimos 80 anos.
D. Alice começou a trabalhar aos 7 anos de idade. |
Entre as prateleiras com produtos diversificados, sempre
limpas e bem organizadas, dona Alice
passa os dias atendendo fregueses e fornecedores e ainda sobra tempo –se tiver
de bom humor – para uns dedos de prosa com os visitantes. Apesar dos anos de
vida, que lhe diminuíram a
agilidade física e acuidade visual, dona Alice
impressiona pela agilidade mental e memória. Chama a maior parte dos fregueses
pelo nome, faz rapidamente contas de cabeça e nem precisa marcar no caderno
pequenos débitos para lembrá-los meses depois a um freguês “mais esquecido”.
Ela mantém fregueses de décadas e muitos amigos. |
Ela se lembra de muita coisa, mas sobre algumas não gosta de
falar. A família é uma delas. “Não tem porquê”, desconversa. Mais velha entre quatro irmãos, ela nasceu um
mês após seus pais, Albino e Marta Dumsch, inaugurarem o “armazém”, em janeiro
de 1932. Aos sete anos, a pequena Alice já ajudava os pais na lida diária.
Uma
das funções era buscar lenha para o
fogão com suas avós no Mato do Louro, extensa vegetação que cobria o lado
direito da Igreja dos Capuchinhos, no outro lado da rua.
Após 7 décadas e meia ela continua dizendo que adora o que faz |
Em depoimento há dois anos ao Jornal do Capuchinho, ela
contou a respeito. “Quando nós viemos morar aqui, daqui pra lá era mato. Hoje é
um bairro nobre. Cresceu muito”. Dentre
as lembranças mais fortes que Dona Alice traz consigo em relação à comunidade,
as festas de antigamente é que lhe vêem primeiro à cabeça. “Na festa da
padroeira, o quarteirão ficava fechado. E chovia, e chovia,
e chovia na véspera
e a gente rezava pra não chover no dia da festa. E sempre deu certo. Poderia
acabar a festa e chover logo em seguida, mas eu nunca vi chover durante a
festividade”, relembra dona Alice.
O balcão é da época da inauguração. |
Mas para ela, os dias de festas religiosas não eram muito
diferentes dos demais. Afinal, ali também ela trabalhava o dia inteiro, só que
em vez do balcão, nas barraquinhas, vendendo doces, salgados ou bilhetes para a
“roda da fortuna”. Trabalhar sempre foi a rotina de Dona Alice. Quando jovem, passou
no vestibular para Medicina na UFPR, mas teve que abandoná-lo para ajudar a
cuidar do negócio da família e da mãe adoentada. Nesses anos todos, diz que
nunca tirou férias. Também nunca se casou, “graças a Deus”, diz brincalhona.
Mas para quem acha que ela tem uma vida triste e que
gostaria de fazer outra coisa, ela responde de pronto que adora o que faz, e
que se sentisse cansada já teria parado há muito tempo. “E vou continuar até
que me chamem, e eu direi: vou! Mas, não estou com pressa...”, diz e termina a
conversa sorrindo.
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