Crônica das mortes anunciadas: segunda tragédia do ano começa hoje
Doze dias após a tragédia de Santa Maria, o Brasil começa hoje a preparar a segunda mortandade coletiva do ano. Mais pessoas morrerão, milhares ficarão feridas. A comoção nacional, porém, será bem menor pois não haverá enterro conjunto. As causas são velhas conhecidas e ano após ano são exaustivamente repetidas. Mesmo assim, elas se repetirão novamente. E na próxima Quarta-feira de Cinzas, como sempre acontece, enquanto se contam as vítimas, famílias de norte a sul do País estarão chorando seus mortos.
Mesmo escamoteados, os números são aterradores: somente a Polícia Rodoviária Federal registrou 176 mortos (62 a menos que na Boate Kiss) na operação carnaval do ano passado. Some-se a isso os mortos em todas as rodovias estaduais dos 26 estados. Só na do Paraná, por exemplo, foram 12 neste período do ano passado nas estradas sob sua jurisdição. Agora pense que as mortes oficialmente anunciadas são as que ocorrem na rodovia, não incluem os que foram levados para hospitais em estado grave e que não sobreviveram. Também não consta em boletins oficiais o número de pessoas com graves e irreversíveis seqüelas. Junte tudo e terá um retrato próximo dessa tragédia eternamente anunciada.
Mas há tempo isso não comove o País. A repetição banaliza o fato. Se a cada ano houvesse um caso como o de Santa Maria, não demoraria muito para alguma autoridade estar comemorando e a imprensa aplaudindo que no último incêndio em boate morreram 230 e não 238 pessoas. Exatamente o que vem ocorrendo com os rescaldos dos carnavais.
E, pior, como as polícias rodoviárias estaduais e federal agem separadamente, a divulgação dos dados pela imprensa assemelha-se àquele samba do crioulo doido. E geralmente se dando destaque para “melhorias” pontuais. É só conferir na internet o que saiu nos últimos anos. Em 23 de fevereiro de 2012, por exemplo, o UOL destacava que “Número de mortes em estradas federais cai 18,5%, diz PRF”. O texto informava que houve 176 mortes, contra 216 em 2011. Mas não citava que em 2010 a PRF contabilizara 143 mortes no período e que, portanto, o aumento de 2010 para 2011 foi de mais de 50%.
Voltando ao Paraná, em 2012 o destaque ficou para a diminuição do número de óbitos nas rodovias estaduais, de 21 em 2011 para 12. Nas federais que cortam o Estado, porém, aumentou de 12 para 14 no período. E será que há diferença entre morrer numa estrada estadual ou federal?
Para ter o cenário do total real de mortes nos períodos carnavalescos só somando os dados de todas as polícias rodoviárias estaduais aos da federal, o que nenhum órgão de imprensa fez até agora. E com isso ninguém fica sabendo se a cada ano diminui ou aumenta o número de vítimas fatais. Faça um teste no Google teclando “mortes nas rodovias no carnaval” e tente tirar uma conclusão
PODERIA SER PIOR
Não se tem notícia de nenhuma guerra contemporânea que faça tantos mortos em tão pouco tempo como nas estradas brasileiras durante o carnaval. E a extensão da violência só não é maior devido à ação dos milhares de policiais que fazem plantão à beira das estradas nesses dias. No ano passado, só nas estradas federais foram 3.345 acidentes, que mataram 176 pessoas e deixaram feridas outras 2001. Dos 30 mil motoristas que assopraram o bafômetro, 1,4 mil foram reprovados, dos quais 497 foram presos por estarem com o nível de álcool muito acima do permitido até então. Já por ultrapassagens perigosas, 12,9 mil motoristas foram multados.
Não é possível saber quantas mortes foram evitadas com a ação policial, mas se lembrarmos que dirigir alcoolizado e ultrapassar em locais impróprios são as principais causas de acidentes, como se repete todo ano, dá pra se ter uma ideia.
Mas como não dá pra ter um policial para cada motorista, a triste constatação é que novamente teremos que contar nossos mortos daqui a cinco dias. Será dado um certo destaque aos balanços da operação carnaval pela mídia, mas antes dos desfiles das campeãs, a questão da segurança no trânsito será assunto esquecido. Mas no ano que vem tem mais.
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