Golfinho, um sonho realizado
Ilana, ao centro, a primeira recordista sulamericana, entre a irmã Thalma e a mãe Rosa Kriger. |
Enquanto o
Brasil se prepara para sediar sua primeira Olimpíada, em 2016, uma estrutura
que serviu por mais de 20 anos para formar campeões da natação foi
esquecida. O Clube do Golfinho, referência da natação de alto nível dos
anos 70 ao final dos 90 do século passado, hoje é um fantasma para os moradores
próximos ao antigo número 28 da Rua São Salvador, no bairro Pilarzinho.
Foi ali que na
metade dos anos 70 se tornou concreto o sonho de um grupo de pais abnegados que
se juntou para criar um espaço para seus filhos treinarem e competirem de igual
para igual com o melhor da natação do País.
Início
Berek Kriger, o mentor do Clube. |
O Clube do
Golfinho, porém, começou a ser gestado dentro do Centro
Israelita do Paraná. A semente havia sido trazida da Sociedade Água Verde,
ainda nos anos 60. Era na piscina desse clube que filhos de dezenas de famílias
curitibanas davam na época suas primeiras braçadas. Muitos garotos ficaram
apaixonados pelo esporte devido à forma de ensinar do técnico Paulo Falcão.
A Água
Verde, porém, encerrou suas aulas de natação. Paulo foi desligado e logo contratado
pelo Centro Israelita do Paraná, e atrás dele foram os “órfãos do Água Verde”.
Apesar do
entusiasmo do técnico e dos atletas mirins, o treino no Centro Israelita era
feito de forma precária. Isso porque tratava-se de um clube social e os jovens
atletas tinham que dividir a piscina com os sócios que buscavam na água só
diversão. Mesmo assim, a determinação das famílias fez com que se criasse um
grupo forte dentro do Israelita. Dessa união surgiu a idéia do nome Golfinho
para designar a equipe.
José Finkel
Dentre os
pais dessa gurizada, estava uma pessoa que deixaria marcas indeléveis na
história da natação paranaense, o empresário Berek Kriger.
Sua relação
com a natação começou quando pôs os filhos Joel, Thalma e Ilana para aprenderem
a nadar na Água Verde. Em pouco tempo, se tornou o presidente da Associação de
Desportos Aquáticos do Paraná, e já tinha contatos e o respeito dos principais
dirigentes do setor no Brasil.
Foi com essa
bagagem que, em 1972, ele criou o Troféu José Finkel, que se tornaria um marco
na natação competitiva do país, e que este ano chegou à sua 41ª edição, como um
dos principais torneios nacionais.
A idéia surgiu
após um fato trágico com um dos atletas do Israelita. José Finkel tinha 17 anos
e era a principal promessa paranaense até então. Era o melhor peitista do Estado e quem o
acompanhava sabia que era questão de tempo para ele se tornar um destaque
nacional. Mas não houve tempo. Aparentemente sem motivos, ele começou a se
sentir mal. Exames detectaram um câncer linfático no jovem.
A morte veio
em poucas semanas e com ela uma imensa comoção, que provocou inclusive uma
debandada de atletas do israelita.
Arrasado com
a morte do jovem atleta, Berek, porém, viu que a melhor forma de homenageá-lo
seria criar um troféu com o seu nome. Então, mobilizou a nata da natação nacional
para apoiar sua idéia. O argumento usado por Berek foi que o Brasil não era
competitivo porque no inverno a natação praticamente parava durante o inverno e
que era justamente nessa época que aconteciam as principais competições no
Hemisfério Norte. Daí a necessidade do Brasil ter um campeonato de inverno. A
sugestão foi bem acolhida, foi instalado um sistema de aquecimento nas piscinas
do Israelita, e já na primeira edição o José Finkel teve a participação dos
principais clubes do Rio e São Paulo.
Mas, embora
o sucesso da iniciativa, as dificuldades no Israelita continuavam. No inverno,
tudo bem. Mas, no verão, os jovens atletas usavam cinco das seis raias da
piscina, tomando o espaço dos sócios. Foi aí que a diretoria do Israelita
chamou os pais e deu um prazo para que encontrassem uma solução.
Quase um delírio
Berek,
então, propôs uma ação que, para alguns inicialmente, pareceu um delírio: criar
o primeiro clube do País exclusivo para o ensino da natação. Boa vontade havia,
faltava o restante.
Júlio Gomel,
conceituado médico urologista e que tinha então o filho Flávio dando suas
primeiras braçadas no Israelita, conta que Berek então juntou mais cinco
amigos: além dele, Abrão Fucks, Mauro Prieto, Ivan Gubert e Kozo Kazai, e
propôs o seguinte:comprarem um terreno, dividirem uma parte - onde construiriam
algumas casas para comercializarem -, e com isso bancarem o restante do terreno
que seria doado para o Clube.
O terreno
escolhido foi uma área de 16 mil metros quadrados da planta Bortolo Gava, no
Pilarzinho. A área se resumia a um imenso matagal. Nem rua em frente havia. Pouco
menos da metade ficou para os compradores e o restante, 8 mil e 312 metros quadrados ,
foi doado para o Golfinho.
O espaço
estava garantido. Faltavam as piscinas. Para levantar os recursos, os pais
mobilizaram outros pais e os amigos e em pouco tempo estavam vendidos 250
títulos do futuro clube.
Além disso,
todos ajudavam como podiam. Pais arquitetos fizeram o projeto, pais engenheiros
acompanharam a obra, outros mantinham contato com autoridades para conseguir
ajuda. Foi assim que o então prefeito Saul Raiz mandou máquinas para arrumar o
terreno e fazer as escavações para as piscinas. Em pouco tempo, começava-se a
construção de três piscinas, uma de 25 metros e duas outras menores, para o aprendizado
da gurizada.
Prisão
Berek,
porém, não pôde acompanhar de perto boa parte das obras. Socialista, ele
participava de um grupo de intelectuais locais contrários à ditadura instalada
no país na década passada. Por isso, já havia sido preso em 1964, 1966 e 1967,
mas sempre só por alguns dias. Agora, acusado de financiar pessoas ligadas à
luta armada, ele ficaria detido por oito meses no quartel do Exército, na
Marechal com a Getúlio Vargas, até ser julgado e considerado inocente.
Mas, poucos
sabem que mesmo enquanto estava preso, Berek saía do quartel para visitar a
família e dar um pulinho no Pilarzinho para ver como estavam as obras. Não se
sabe ao certo como ele conseguia o “indulto”, mas o fato é que de vez em quando
avisavam a família, e a filha Thalma ia buscá-lo de carro em frente ao quartel
e, depois das visitas, levava-o de volta.
Numa dessas
visitas, foi homenageado pelos atletas e demais dirigentes, sendo jogado na
piscina recém-construída. O Clube seria inaugurado oficialmente em dezembro de
1975.
Amigos
dizem, porém, que depois da prisão ele nunca voltaria a ser como antes,
inclusive se afastando um tempo da natação e da cidade.
Ele
continuaria ligado ao Golfinho, porém, até o início dos anos 80. Em 81,
começaria a construir o Centro de Natação Berek Kriger, inaugurado em 1982 e
que funcionaria até 2002, um ano após sua morte, em 29 de abril de 2001.
Antes de
afastar, porém, Berek, havia deixado toda a estrutura para o Golfinho crescer.
Foi ele, junto com o vice Júlio Gomel, que buscaram na Argentina, o técnico Carlos
Fernandes, na época já um cobra na formação de nadadores.
Berek também
teve a felicidade de ver sua filha, Ilana, bater o recorde sul-americano dos
200m costas, em 1977. Foi o primeiro
resultado de destaque de um nadador paranaense. Em 1979, seria inaugurada a
piscina olímpica de 50
metros .
Nos anos
seguintes, bater recordes no golfinho se tornaria comum. O Clube se firmaria na
década seguinte como uma das forças da natação brasileira.
Desavenças
O sucesso
externo, porém, criou brigas internas. Alguns dizem que pais que não tinham os
filhos entre os primeiros começaram a questionar a atenção dada a seus rebentos,
criando cisões. Outros apontam a má administração. A maioria que acompanhou a
história do clube, porém, concorda que o grande motivo do declínio foi a saída
dos pais fundadores. Conforme os filhos cresciam e encerravam suas carreiras
nas piscinas, eles também foram se afastando.
As dívidas
do Golfinho levaram a sua sede a ser penhorada em 1991. Em seguida, ela seria
incorporada pela Sociedade Juventus, que também afundada em dívidas com a
previdência, teria o imóvel leiloado em setembro de 2003, por R$ 600 mil em 60
parcelas de R$10 mil. O arrematante, porém, só pagou a primeira. Até o ano
passado, o imóvel estava indisponível pela Justiça. Então devido à dívidas do
clube com ex-funcionário, o local foi arrematado por um grupo de imobiliárias.
Poderia ser
o triste fim do clube que fez história na natação paranaense e brasileira.
Porém, está em curso um movimento para que a estrutura deixada pelo Golfinho seja
resgatada pelo Poder Público para atender à população, resgatar sua história e,
quem sabe, formar novos campeões. Seria um final feliz bem apropriado para uma
história de luta e sucesso.
(Amanhã,
leia neste blog, a história do primeiros recordistas do Golfinho e como o clube
conseguiu chegar entre os primeiros do País)
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