Desvendado o mistério do lendário Túnel das Mercês

Do Quintal | 12:21 |


Key Maguire desvendou o mistério.
Quem mora em Curitiba e é fã de história em quadrinhos certamente já ouviu falar de Key Imaguire Júnior.  Mestre em Arquitetura e doutor em História pela UFPR, ele é um aficionado da área. Foi o idealizador da Gibiteca, a primeira biblioteca exclusiva do gênero no Brasil,  no Solar do Barão, e que em outubro último festejou 30 anos. O que poucos sabem é que ainda criança ele fez o único registro fotográfico de um dos locais mais misteriosos da cidade: o Túnel do Pirata das Mercês, ou dos Jesuítas ou ... A construção subterrânea gerou uma das mais longevas lendas urbanas de Curitiba e até há pouco tempo não se sabia quem foi o seu autor. Com o registro que fez há 50 anos e com o conhecimento arquitetônico e histórico que adquiriu depois, Key  desvendou o mistério.  E contou para o Do Quintal.  Confira a seguir a conclusão deste apaixonado por história, sejam reais ou fictícias. 

A entrada: convite à aventura.
Quem foi criança no Vista Alegre até o final dos na os 70 tinha um local perfeito para exercitar a curiosidade e o espírito  de aventura. Era só ir até a chácara da família Gutierrez, uma ampla área de vegetação nativa e que em parte daria lugar décadas depois ao Bosque Gutierrez. Ali onde hoje é o cruzamento das ruas Amapá e Andre Zanetti, havia a entrada de um misterioso túnel. Os mais corajosos chegavam a entrar na sombria construção subterrânea e percorriam o que conseguiam. A maioria, porém, só ouvia as histórias que se contavam sobre quem teria feito o túnel.  Para muitos, foi o Pirata Zulmiro, que enterrou ali o seu tesouro. Para outros,  ele ligaria o bairro ao Largo da Ordem, e teria sido feito por padres Jesuítas. Até hoje essas versões  estão vivas entre moradores mais antigos.
Jovem fotógrafo
Teto em arcos: pista dos construtores.
O arquiteto e historiador Key Imaguire Júnior, porém, chegou a uma conclusão bem mais plausível. Hoje morador das Mercês, Key passou sua infância no Vista Alegre. Além de dentista, seu pai era fotógrafo e foi com a sua Yashica 700 que o menino fez o registro em 1962.
Segundo ele, nessa época havia ali a base de uma pequena casa em cujo porão havia um alçapão. Por uma passagem estreita escavada na terra rastejava-se por 6 a 8 metros até uma ampla sala abobadada com cerca de dois metros de altura toda feita em tijolos. No local abria-se  outra passagem logo adiante fechada por uma parede nova de tijolos. Em uma das extremidades da sala havia um respiro em forma de chaminé.
Aonde levaria o túnel?
Estrangeiro
Quase 50 anos após essa aventura de criança, Key chegou à conclusão de que a construção foi feita por alguém ligado ao lazareto – local onde eram tratados portadores da hanseníase, ou lepra – que funcionava próximo dali e que foi desativado com a inauguração do Leprosário São Roque, em Piraquara, em 1926. E provavelmente de origem uruguaia ou argentina.
A hipótese de ter sido feito pelo lendário Pirata Zulmiro para esconder seu tesouro é descartada simplesmente por não haver qualquer registro histórico de tal personagem. E a de que teria sido construído por padres jesuítas para fugirem de perseguidores também não procede. Na época que foram expulsos do Brasil pelo Marquês de Pombal, em 1760, os jesuítas, no Paraná, só haviam se estabelecido em Paranaguá, onde fundaram um colégio em 1755. Em Curitiba, eles viriam a inaugurar o Colégio Medianeira, no Prado Velho, mas só em 1957. E pergunta-se:  que motivo teriam os religiosos para deixarem seus afazeres educacionais e  virem para uma área da cidade ainda coberta por matas para cavar um túnel?
Por fora, o respiro.
Para o professor, a possibilidade de ter sido feito por alguém do lazareto é a mais factível. Na época, os portadores de hanseníase eram alvo de preconceito da população em geral muito mais do que são hoje. Doentes que saiam de seu reduto chegavam a ser apedrejados. Daí não ser impossível ter sido construído para que pudessem se refugiar em caso de algum ataque. Por ser de desenvolvimento lento, a doença não impediria que os doentes pudessem trabalhar normalmente.
Quem construiu
O que mais chama a atenção do hoje arquiteto Key é o sistema construtivo utilizado no teto. Para suportar o peso, ele foi construído em arcos, com o uso de bovedillas, ou seja, vigotes de trilhos transversais ligados por tijolos. Ele explica que esse tipo de construção é muito rara no Brasil, mas comum em países como o Uruguai e a Argentina. Como desde o início do Século XIX o Paraná já tinha relações comerciais com esses países, principalmente com a exportação de erva-mate, é possível que alguém originário de um deles tenha sido diagnosticado com a doença quando estava em Curitiba, foi internado no lazareto, e seja o responsável por fazer ou comandar essa obra.
O croqui feito a partir da memória.
Ao chegar a essa conclusão, porém, o professor tem uma ponta de decepção. "Definitivamente, eu preferiria o velho pirata, com seu olho de vidro e sua perna de pau; no canto da sala subterrânea escondendo um baú com a bandeira da caveira, um par de garruchas carregadas e um velhíssimo pergaminho com mapas de ilhas de tesouro”, lastimou. Mas, infelizmente, não é. 

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