Desvendado o mistério do lendário Túnel das Mercês
Key Maguire desvendou o mistério. |
Quem mora em Curitiba e é fã de história em quadrinhos certamente já ouviu falar de Key Imaguire Júnior. Mestre em Arquitetura e doutor em História
pela UFPR, ele é um aficionado da área. Foi o idealizador da Gibiteca, a
primeira biblioteca exclusiva do gênero no Brasil, no Solar do
Barão, e que em outubro último festejou 30 anos. O que poucos sabem é que ainda
criança ele fez o único registro fotográfico de um dos locais mais misteriosos
da cidade: o Túnel do Pirata das Mercês, ou dos Jesuítas ou ... A construção
subterrânea gerou uma das mais longevas lendas urbanas de Curitiba e até há
pouco tempo não se sabia quem foi o seu autor. Com o registro que fez há 50
anos e com o conhecimento arquitetônico e histórico que adquiriu depois,
Key desvendou o mistério. E contou para o Do Quintal. Confira a seguir a conclusão deste apaixonado
por história, sejam reais ou fictícias.
A entrada: convite à aventura. |
Quem foi criança no Vista Alegre até o final dos na os 70
tinha um local perfeito para exercitar a curiosidade e o espírito de aventura. Era só ir até a chácara da
família Gutierrez, uma ampla área de vegetação nativa e que em parte daria
lugar décadas depois ao Bosque Gutierrez. Ali onde hoje é o cruzamento das ruas
Amapá e Andre Zanetti, havia a entrada de um misterioso túnel. Os mais
corajosos chegavam a entrar na sombria construção subterrânea e percorriam o
que conseguiam. A maioria, porém, só ouvia as histórias que se contavam sobre
quem teria feito o túnel. Para muitos,
foi o Pirata Zulmiro, que enterrou ali o seu tesouro. Para outros, ele ligaria o bairro ao Largo da Ordem, e
teria sido feito por padres Jesuítas. Até hoje essas versões estão vivas entre moradores mais antigos.
Jovem fotógrafo
Teto em arcos: pista dos construtores. |
O arquiteto e historiador Key Imaguire Júnior, porém, chegou
a uma conclusão bem mais plausível. Hoje morador das Mercês, Key passou sua
infância no Vista Alegre. Além de dentista, seu pai era fotógrafo e foi com a
sua Yashica 700 que o menino fez o registro em 1962.
Segundo ele, nessa época havia ali a base de uma pequena
casa em cujo porão havia um alçapão. Por uma passagem estreita escavada na
terra rastejava-se por 6 a
8 metros
até uma ampla sala abobadada com cerca de dois metros de altura toda feita em tijolos.
No local abria-se outra passagem logo adiante fechada por uma parede nova de tijolos. Em uma das extremidades da sala havia
um respiro em forma de chaminé.
Aonde levaria o túnel? |
Estrangeiro
Quase 50 anos após essa aventura de criança, Key chegou à
conclusão de que a construção foi feita por alguém ligado ao lazareto – local
onde eram tratados portadores da hanseníase, ou lepra – que funcionava próximo
dali e que foi desativado com a inauguração do Leprosário São Roque, em
Piraquara, em 1926. E provavelmente de origem uruguaia ou argentina.
A hipótese de ter sido feito pelo lendário Pirata Zulmiro
para esconder seu tesouro é descartada simplesmente por não haver qualquer
registro histórico de tal personagem. E a de que teria sido construído por
padres jesuítas para fugirem de perseguidores também não procede. Na época que
foram expulsos do Brasil pelo Marquês de Pombal, em 1760, os jesuítas, no
Paraná, só haviam se estabelecido em Paranaguá, onde fundaram um colégio em
1755. Em Curitiba, eles viriam a inaugurar o Colégio Medianeira, no Prado
Velho, mas só em 1957. E pergunta-se: que
motivo teriam os religiosos para deixarem seus afazeres educacionais e virem para uma área da cidade ainda coberta
por matas para cavar um túnel?
Por fora, o respiro. |
Para o professor, a possibilidade de ter sido feito por
alguém do lazareto é a mais factível. Na época, os portadores de hanseníase eram
alvo de preconceito da população em geral muito mais do que são hoje. Doentes
que saiam de seu reduto chegavam a ser apedrejados. Daí não ser impossível ter
sido construído para que pudessem se refugiar em caso de algum ataque. Por ser
de desenvolvimento lento, a doença não impediria que os doentes pudessem
trabalhar normalmente.
Quem construiu
O que mais chama a atenção do hoje arquiteto Key é o sistema
construtivo utilizado no teto. Para suportar o peso, ele foi construído em
arcos, com o uso de bovedillas, ou seja, vigotes de trilhos transversais
ligados por tijolos. Ele explica que esse tipo de construção é muito rara no
Brasil, mas comum em países como o Uruguai e a Argentina. Como desde o início
do Século XIX o Paraná já tinha relações comerciais com esses países,
principalmente com a exportação de erva-mate, é possível que alguém originário
de um deles tenha sido diagnosticado com a doença quando estava em Curitiba, foi
internado no lazareto, e seja o responsável por fazer ou comandar essa obra.
O croqui feito a partir da memória. |
Ao chegar a essa conclusão, porém, o professor tem uma ponta
de decepção. "Definitivamente, eu preferiria o velho pirata, com seu olho de vidro
e sua perna de pau; no canto da sala subterrânea escondendo um baú com a
bandeira da caveira, um par de garruchas carregadas e um velhíssimo pergaminho
com mapas de ilhas de tesouro”, lastimou. Mas, infelizmente, não é.
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